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The Sword of Doom, 1966

10 jun

Completamente diferente dos filmes da trilogia dirigida por Hiroshi Inagaki, The Sword of Doom não trata do código de honra do samurai, mas da insanidade provocada pela ausência desse código. O protagonista Ryunosuke Tsukue (Tatsuya Nakadai) é o oposto de Musashi, não serve como exemplo de conduta ponderada e sem arrependimentos, mas evidencia o que pode acontecer com alguém munido de uma habilidade sem igual tomado pela fúria generalizada. Concebido como a primeira parte de uma trilogia que não deu certo, é uma pena que acabe de um jeito tão abrupto, sem desenvolver o que acontece com os demais personagens, mas o final apoteótico ainda é bastante satisfatório.

Revelar muito sobre o enredo é prejudicar o choque que a crueldade de Ryunosuke provoca desde o começo do filme. De certa forma, ele é como a Morte encarnada, mata sem distinção (tanto por capricho como por dinheiro) e, aparentemente, não sente remorso quando confrontando pelas vítimas indiretas de seus atos. Até o seu próprio pai acha que ele é um monstro e que deve ser impedido. Em uma cena que muito lembra aquela de Oldboy, em que Oh Dae-su avança por um corredor atacando vários lacaios com um martelo, Ryunosuke segue por uma trilha no meio da floresta, estraçalhando os samurais em seu caminho. Chega um momento, porém, em que a memória de todos os mortos transborda e a sua sanidade mental desaparece de vez. Obedecer um código moral é, no final das contas, garantir a própria paz de espírito, viver sem que nada do que façamos nos perturbe mais adiante – é uma restrição que, paradoxalmente, só garante liberdade.

Em The Sword of Doom, Toshiro Mifune (o Musashi de Inagaki) interpreta Shimada, um mestre de uma escola de samurais que é o primeiro a de fato ameaçar o autocontrole de Ryonosuke. Depois de dizimar seus companheiros a contragosto em uma boa cena de luta na neve, Shimada permite que o chefe do grupo sobreviva para lidar com a culpa de ter provocado a derrota de tantos bons espadachins, mortos como cachorros, e diz que, para avaliar o estilo de luta do oponente, basta avaliar sua alma: “alma ruim, espada ruim.” Para ele, a maldade é uma fraqueza a ser explorada em um duelo. Depois de presenciar tudo, Ryonosuke é paralisado pelo medo, que logo se transforma em insegurança e raiva.

Além da fotografia em preto-e-branco que é excepcional (no fim, para ilustrar a explosão de insanidade do protagonista, há todo um jogo de luzes e sombras digno do melhor exemplar do gênero do terror), o diretor Kihachi Okamoto utiliza a trilha sonora com muita esperteza. A música é usada de forma econômica, servindo apenas para abrir ou encerrar momentos dramáticos; nas lutas em si, um silêncio inicial que parece durar uma eternidade, seguido dos sons das espadas e dos gritos dos derrotados. Baseado em uma série de histórias do autor Kaizan Nakazato, publicadas em jornal ao longo de três décadas, The Sword of Doom é um filme extremamente violento e bem-feito, um dos melhores que vi nos últimos tempos.