Arquivo | julho, 2013

3 Filmes Sobre Racismo

23 jul

‘Um dia, minha irmã Teddy perguntou, “O que você vai fazer? O que você gostaria de fazer quando crescer?” E eu lembro – naquela época, eu tinha uns doze anos – eu disse para minha irmã que gostaria de ir para Hollywood e me tornar um caubói.

Eu tinha acabado de ver o meu primeiro filme – era um faroeste, é claro – e achei que era a coisa mais impressionante. Eu não fazia ideia de que Hollywood significava show business. Eu pensava que Hollywood era onde criavam vacas, onde usavam os cavalos para manter o gado encurralado, e onde os caubóis eram os mocinhos, e combatiam os bandidos que tentavam roubar o gado ou fazer algo contra os donos do gado, e eu queria fazer esse tipo de trabalho.

Teddy riu, mas ela não riu de mim; ela riu comigo… Tenho certeza de que ela deve ter achado maravilhoso eu ter esse sonho fantástico, mas ela não me corrigiu, ela não disse, “Essa é uma fantasia maluca.” Ela não disse, “Quem você pensa que é? Cara, você precisa colocar os pés no chão. Menino, você tem muito pela frente.” Não, ela obviamente tinha sonhos também.

Uns dez anos depois, minha família se reuniu em um cinema em Nassau para assistir ao primeiro filme que eu fiz, chamado No Way Out. Isso foi em 1950, e foi a primeira vez que meus pais viram um filme. Para eles, deve ter sido como uma fantasia, um sonho.’  Sidney Poitier, The Measure of a Man: A Spiritual Autobiography.

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– No Way Out, 1950

Escrito e dirigido por Joseph L. Manckiewicz (do premiado All About Eve), Poitier interpreta Dr. Brooks, um médico encarregado de dois irmãos brancos e suspeitos de roubo, feridos em confronto com a polícia. Um deles morre e o que sobrevive, o racista Ray (Richard Widmark) acusa Dr. Brooks de tê-lo matado de propósito. Só uma autópsia pode comprovar a verdadeira causa da morte, mas Ray não quer autorizar o procedimento e, mesmo sem provas, acredita na culpa do médico.

Antecipando em vários anos a discussão que só se tornaria mais aberta em meados da década de 60, Manckiewicz aborda o racismo de forma complexa e sutil, fornecendo exemplos variados de todo tipo de conduta; o bandido branco abertamente racista, o médico branco que acredita na igualdade, o diretor do hospital que quer beneficiar os negros, o médico negro que não quer ser beneficiado e sim tratado como um médico qualquer, o ascensorista negro que é tão racista quanto o bandido, etc..

Muito melhor do que uma série de argumentos lógicos comprovando que o racismo não faz o menor sentido, o filme revela o mesmo de forma emocional e, portanto, com um efeito muito mais poderoso e duradouro.

O filme inteiro está disponível no youtube.

The Defiant Ones, 1958

Vencedor de dois Oscar e dirigido por Stanley Kramer (do excelente Judgment at Nuremberg), dois prisioneiros acorrentados um ao outro, um negro (Poitier) e um branco (Tony Curtis), precisam cooperar para escapar da polícia. No início, brigam muito, mas as correntes os colocam em situações em que são obrigados a trabalhar juntos para que possam, de forma figurada e literal, sair do buraco. Por boa parte do filme, tudo o que eles querem é se separar e seguir caminhos diferentes, mas quando as correntes finalmente se vão, há outro tipo de laço que os mantém conectados.

Há uma participação breve, mas crucial de Lon Chaney Jr. como Big Sam. Sem relevar muito, seu personagem reforça a importância do ato de tentar entender 0 que temos de semelhante com relação aos outros e de fazer por eles aquilo que gostaríamos que alguém fizesse por nós se estivéssemos na mesma situação. Tal postura é o que faz com que avancemos muito além de qualquer tipo de discriminação.

Trailer do filme aqui.

In the Heat of the Night, 1967

Um homem é assassinado e tem a carteira roubada na madrugada de Sparta, Mississippi. Por ser negro e carregar muito dinheiro, Virgil Tibbs (Poitier) é apreendido na estação de trem e levado até à delegacia. Lá, o xerife Gillespie (Rod Steiger) descobre embasbacado que Tibbs é um detetive da Filadélfia, de passagem apenas para visitar a mãe. Perito criminal, Tibbs acaba ficando em Sparta para ajudar a solucionar o crime, mas sua presença na cidade sulista não é bem vista por todo mundo.

Há uma cena em que Tibbs é levado de viatura (no banco da frente, não onde sentam os criminosos) até uma plantação de algodão para interrogar um dos suspeitos que lembra muito a cena de Django Unchained em que Django aparece à cavalo em meio aos coitados dos escravos. Em In the Heat of the Night, o contexto é supostamente moderno, mas a surpresa dos negros em ver a figura do detetive em relação de igualdade com o xerife não é menor.

Como em The Defiant Ones, as circunstâncias forçam com que os dois trabalhem juntos apesar de qualquer preconceito que um possa ter pelo outro. Em dado momento, até Tibbs se revela um pouco preconceituoso. Afinal, ignorância não é exclusividade de brancos. Tudo o que nenhum dos dois quer, no final das contas, é ser tratado de forma diferente – seja com desprezo ou com piedade.

O filme inteiro, e com legendas disponíveis em português, aqui.

Lady Snowblood, 1973

9 jul

Lady Snowblood, de 1973, é uma das influências principais de Kill Bill. Só não é a principal porque, embora Tarantino nunca tenha admitido, La mariée était en noir, filme dirigido por Truffaut em 1968, tem mais a ver ainda. Lady Snowblood, porém, não só serviu de base para a personagem de O-Ren Ishii, interpretada por Lucy Liu, como também inspirou a estrutura em capítulos, a mistura com mangá/anime, uma das músicas principais da trilha sonora (cantada por Meiko Kaji, a própria Lady Snowblood) e vários posicionamentos de câmera.

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Baseado no mangá de Kazuo Koike, criador também de Lone Wolf and Cub, a adaptação cinematográfica é muito menos pornô (e, portanto, muito mais séria) do que a fonte. Diferente de filmes como Sex and Fury, em que a protagonista chega a lutar pelada contra os oponentes, Meiko Kaji nunca é apresentada de forma sexual. Afinal, Yuki (em japonês, “neve”) é uma criatura do reino dos mortos, nascida na prisão apenas para completar a vingança que sua mãe iniciou contra aqueles que mataram seu marido e seu filho.

Em Lady Snowblood, é a filha quem vinga a mãe, mas a filha de um de seus inimigos também vai procurar a própria vingança. Em Kill Bill, é a mãe quem vinga a filha, mas a filha de Vernita Green (Vivica A. Fox) deve querer se vingar de Beatrix Kiddo no futuro. Mesmo que  a sequência de Kill Bill nunca seja feita, Tarantino sempre compõe seus personagens imaginando uma história completa – com começo, meio e fim – e o filme japonês pode ter oferecido alguma inspiração nesse sentido também.

Dirigido por Toshiya Fujita, Lady Snowblood tem também os jatos exagerados de sangue que tornam as mortes mais gráficas e espetaculares. Em muitos filmes de samurai dos anos 60, depois de enfrentar dúzias de outros espadachins, nem mesmo a lâmina da espada ficava suja. Talvez a década de 70 tenha tentado compensar a ausência de sangue em todos esses filmes cheios de morte, mas desprovidos de entranhas. Os jatos de sangue são sim caricatos, mas servem para intensificar a ideia de que a violência não é algo simples ou limpo como muitos sugeriam até então. A câmera na mão (ainda que mais ou menos estável) também dá um frescor novo ao gênero que, nas décadas anteriores, era tão dominado por planos fixos e imóveis.

Meiko Kaji, além de cantora excelente, consegue mostrar diferentes tipos de expressão com gestos muito sutis, sem nunca perder a característica principal de uma personagem tomada pelo ódio e pela obstinação. Lady Snowblood é obrigatório aos fãs de Tarantino, mas também àqueles que gostam do gênero de luta de espada ou que simplesmente gostam de filmes esteticamente bonitos com uma carga dramática maior. Perto do fim, uma das últimas cenas é encerrada com uma cortina que desce sobre o cenário. Tudo que vimos era então como uma ópera, um espetáculo cuja intensidade não é semelhante à vida real, mas que consegue provocar emoções concretas.