Antes de qualquer coisa, se diz homossexualismo e não homossexualidade – assim como jornalismo (e não jornalidade), capitalismo (e não capitalidade), budismo (e não budicidade) e atletismo (e não atleticidade). “Ismo” não é sufixo só de doença (como reumatismo), mas também de ideologia política, teoria filosófica, movimento artístico ou qualquer fenômeno sociológico. Ou seja, não há nada de ofensivo. É só a língua portuguesa. Resolvido isso, vamos falar de homossexualismo em si. Ou melhor, vamos falar do filme antes. Behind the Candelabra é, em tese, o último da carreira do diretor Steven Soderbergh e fala do relacionamento problemático entre Scott Thorson (Matt Damon) e Liberace (Michael Douglas), quarenta anos mais velho.
No início do filme, Scott vai para Las Vegas com um amigo assistir o show do pianista, fica admirado com o seu talento e acha graça quando ouve que ninguém sabe que ele é gay (mesmo estando coberto de brilho da cabeça aos pés). Por décadas, Liberace tentou manter a aparência de que era heterossexual, processando qualquer um que dissesse o contrário, mas sem deixar de acolher algum “protegé” jovem e bem-afeiçoado em sua mansão. Depois do show, Scott acaba lhe conhecendo em seu camarim e percebe seu interesse. Os dois ficariam juntos por seis anos, até Scott ser “demitido” e processar Liberace por uma pensão alimentícia (não se preocupem, esse não é o final).
Liberace, ou “Lee”, que vive com cachorrinhos de várias raças, diz que ama os animais porque eles gostam dos donos não importa o que aconteça – mas que talvez seja por isso mesmo que são apenas animais estúpidos. Quando Scott avisa que vai morar com Lee, sua mãe adotiva pergunta se ele sequer gosta dele (detalhe: ninguém sofre preconceito por ser gay, só os gays têm preconceito). Talvez não seja amor ainda, talvez seja uma combinação de vários outros fatores, inclusive o desejo de ter mais conforto, de viver uma aventura e, principalmente, de sanar uma carência muito mais profunda. Scott foi abandonado por sua família biológica e Lee, com o seu narcisismo, quer suprir as funções de amante, pai, irmão e melhor amigo.
Por um período, a relação vai bem. Lee gosta de cozinhar, Scott gosta de comer e os dois engordam felizes. Um dia, Lee se vê na televisão, decide que precisa de cirurgia plástica para rejuvenescer e chama o Dr. Jack Startz (Rob Lowe, melhor participação de todo o filme). Depois de uma recauchutagem geral que faz com que Liberace não consiga fechar os olhos para dormir, é a vez de Scott. Lee quer que ele opere o rosto para ficar parecido com ele mesmo, o que Scott acaba acatando desde que o médico faça um discreto furo no queixo, seu único pedido. Mais tarde, a mãe de Liberace (Debbie Reynolds) conta que ele tinha um irmão gêmeo que morreu. Não é possível afirmar com certeza se a sua necessidade de ver tanto de si mesmo ao seu redor é fruto de megalomania, de uma espécie de compensação pela morte do irmão ou coisa parecida, mas podemos dizer que seu relacionamento com Scott não é dos mais sadios. E quando Liberace decide adotá-lo só fica mais estranho.
Não há nada de errado entre duas pessoas que se amam – sejam homens, mulheres, brancos, negros, carteiros, tias, o que for – desde que realmente amem uma à outra e não se utilizem apenas como cura de mágoas não resolvidas ou para dar vazão a delírios egocêntricos. O homossexualismo é doença quando o outro é como um espelho; quando não se ama um indivíduo, mas uma projeção de si mesmo ou do que se gostaria de ser. Os amantes de Liberace são quase todos substituíveis. Há sempre alguém mais jovem, mais em forma, mais interessante. Seu “amor” não quer dizer nada – mas isso também não é um problema exclusivo dos homossexuais.
Por fim, Soderbergh consegue um resultado que é, ao mesmo tempo, engraçado, estranho e comovente. Em um momento, adoramos os personagens. Em outro, sentimos repulsa de como eles podem ser teimosos ou burros. E, em outro, ficamos com pena, emocionados. Junto de Magic Mike, são dois filmes do diretor de finais que surpreendem de tão morais – pois Liberace paga sim pelo seu estilo de vida, enquanto o fiel Scott é poupado. Infelizmente, Behind the Candelabra não pode concorrer ao Oscar (Michael Douglas seria um candidato fortíssimo) porque foi produzido pela emissora HBO e não vai passar nos cinemas dos Estados Unidos. Também não deve passar por aqui, mas já está pela internet.