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La Grande Illusion, 1937

13 maio

La Grande Illusion foi o primeiro filme estrangeiro indicado ao Oscar de Melhor Filme (perdeu para You Can’t Take It With You, clássico de Frank Capra com James Stewart). Dirigido por Jean Renoir, filho do pintor impressionista, acompanha as tentativas de fuga de um grupo de prisioneiros na Primeira Guerra Mundial. O diretor austríaco Erich von Stroheim, autor de filmes perdidos como Greed e Queen Kelly (superprodução de 1929 com Gloria Swanson, que faz a sua patroa desequilibrada em Sunset Blvd.) interpreta o Capitão von Rauffenstein, comandante do campo alemão. Stroheim, que era uma grande influência para Renoir, teve liberdade para improvisar e contribuir com o roteiro, concebendo inclusive as roupas e o aparelho ortopédico de coluna de seu personagem. O aparelho limita os movimentos do pescoço e da cintura (provavelmente serviu de referência para o personagem de Mel Gibson em The Million Dollar Hotel, de Wim Wenders) e faz com que Rauffenstein, para conseguir tomar sua bebida, precise dobrar todo o tronco para trás em um único movimento rápido. Sua limitação física é irônica, dado todo o seu poder.

Muito antes de Stalag 17 (1953, dir. Billy Wilder) e The Great Escape (1963, dir. John Sturges), filmes sobre campos de prisioneiros americanos na Segunda Guerra Mundial, La Grande Illusion mostra uma convivência civilizada e até amistosa entre soldados alemães e capturados franceses. Na apresentação do filme, contudo, o próprio Renoir alerta que isso foi antes de Hitler, que os nazistas ainda não tinham arruinado “o espírito do mundo” e que a Primeira Guerra foi, de certa forma, “quase uma guerra de cavalheiros”. No filme, tudo o que os personagens fazem, de ambos os lados, é apenas pelo sentido de dever. Em uma cena, um soldado alemão baixinho tenta consolar o tenente Maréchal (Jean Gabin) preso na solitária. “Por que ele estava gritando?,” pergunta outro soldado. “A guerra é muito longa,” responde o baixinho um pouco entristecido.

O título pode se referir à ilusão de convivência e contentamento no campo de prisioneiros de guerra, à ideia de liberdade por trás das tentativas de fuga, ao diálogo em que Maréchal diz que não haverá outra grande guerra, ou mesmo ao poder de Rauffenstein. Renoir não queria que o significado fosse claro. André Bazin, em seu livro sobre o diretor, diz o seguinte: “As grandes ilusões são os sonhos que ajudam os homens a viver… mas, mais do que isso, as grandes ilusões são as ilusões de ódio, que dividem os homens de forma arbitrária e que, na realidade, não estão separados por nada; a ilusão das fronteiras, com as guerras que resultam delas; a ilusão das raças, das classes sociais… A guerra, o produto do ódio e da divisão, revela paradoxalmente a falsidade de todas as barreiras de preconceito que separam um homem do outro.” Como em The Big Parade (1925, dir. King Vidor), há em La Grande Illusion a crença de que o inimigo não é um monstro, mas alguém muito parecido com nós mesmos – uma crença difícil de ser recuperada desde o nazismo.

Além de abordar temas grandiosos como a fraternidade, o dever e o sacrifício, Renoir cuida de pequenos detalhes com muita sensibilidade e graça. Por exemplo: no campo, os prisioneiros organizam uma produção teatral. Abrindo um baú cheio de fantasias de mulher, eles falam sobre como as saias diminuíram ao longo dos anos, das esposas que os aguardam, etc.. Um deles pega as roupas e veste. Todos olham o resultado em silêncio, desacostumados com tal delicadeza (ainda que travestida). A cena é ao mesmo tempo cômica e triste – e há várias outras assim, que não chegam a influenciar a trama, mas que ajudam a provocar toda uma gama preciosa de sentimentos e sensações.

Fail-Safe, 1964

6 maio

Fail-Safe é relativamente simples: Sem nenhum tipo de trilha sonora em momento algum e quase nenhuma cena externa (as cenas com os aviões caça, por exemplo, são de filmes de arquivo), são os diálogos, bem como as atuações, a verdadeira base do filme – o que não é fácil de acertar. Thrillers muitas vezes precisam de cenas de perseguição ou de troca de tiros para manter o espectador atento, mas não é o caso. Dirigido por Sidney Lumet (12 Angry Man, Dog Day Afternoon, Serpico, etc.), Fail-Safe foi relegado ao longo dos anos por ter sido lançado meses depois de Dr. Strangelove, em 1964. A sátira de Stanley Kubrick é relembrada até hoje principalmente pela performance de Peter Sellers, mas diz pouco ou quase nada sobre a complexidade do período da Guerra Fria em comparação com o filme mais sério de Lumet.

Baseado em um romance de 1962, trata sobre um erro mecânico que faz com que um avião militar americano receba a ordem de atacar Moscou com bombas nucleares de vinte megatons. Sem comunicação com o governo dos Estados Unidos por conta de um aparelho soviético que causa interferência no rádio, não há como entrar em contato com o piloto e cancelar a missão. É preciso que o presidente (Henry Fonda, que já tinha sido o presidente em Young Mr. Lincoln) entre em contato com o chanceler soviético para que, juntos, possam evitar a destruição de Moscou e a guerra nuclear.

Entre militares e políticos, há aqueles que compreendem que uma guerra nuclear não possui vencedores e há também aqueles que são a favor do ataque e contra a cooperação das duas potências para prevenir a catástrofe. Walter Matthau interpreta o personagem mais difícil de compreender, o cientista político Groeteschele. Ele é a favor de que os Estados Unidos, ao contrário do que aconteceu em Pearl Harbor, seja o primeiro a atacar seu inimigo, mas não vê nada de belo na destruição. Em umas das cenas iniciais, ele dá carona a uma mulher depois de uma festa, ela fala como se estivesse sexualmente atraída pelo poder de condenar toda a humanidade. Groeteschele lhe dá um tapa e diz que não é da sua laia – apesar de ser a favor da guerra, ele não é, afinal, um caipira delirante montado em uma ogiva.

Fail-Safe foi injustamente ofuscado todos esses anos pois não lida com arquétipos ou caricaturas, mas apresenta motivações reais e questões complexas. Muito mais do uma mera sequência de piadas, é uma reflexão profunda sobre as relações entre homem e máquina e a responsabilidade da humanidade para com ela mesma.  É curioso como, sem qualquer manipulação musical, nos sentimos chocados.

The Big Parade, 1925

30 abr

Além do relacionamento complicado com Greta Garbo, John Gilbert é conhecido também pelos filmes dramáticos que fez com a atriz, como os belíssimos Flesh and the Devil (1926) e Queen Christina (1933). Mas foi em 1925, com The Big Parade, que Gilbert alcançou a fama, interpretando um papel que não era totalmente desprovido de humor ou de seriedade. Dirigido por King Vidor (indicado ao Oscar de Melhor Diretor cinco vezes e vencedor de um prêmio honorário em 1979), o filme se tornou uma das maiores bilheterias da história do cinema mudo ao apresentar uma mistura inesperada de comédia, romance, suspense e drama.

Ambientado logo no começo da Primeira Guerra Mundial, Gilbert interpreta Jim, um jovem desocupado que se empolga com a onda de patriotismo (em um desfile pela cidade, os recrutas marcham ao som de “Over There”, marchinha composta por George M. Cohan, personagem real interpretado por James Cagney no emocionante Yankee Doodle Dandy, de 1942) e acaba se alistando, para o orgulho da família. Durante o treinamento, faz amizade com dois soldados pitorescos, Slim e Bull. Na França, conhece uma garota por quem se apaixona. Ele não fala francês, ela não fala inglês. É uma situação ideal para o humor do cinema mudo e para que os dois se entendam de forma menos complicada.

Gilbert, um pouco como Buster Keaton, consegue transmitir no rosto qualquer linha de raciocínio sem que grandes exageros expressivos sejam necessários. Seu timing cômico é perfeito e sua atuação ofusca as demais, inclusive a da francesa Renée Adorée. Há também, em The Big Parade, algo que era característico das obras de Keaton: o desdém pelo melodrama. Quando Jim e sua amada precisam se separar, ele lança a ela o seu relógio, a sua corrente, o seu sapato – fazendo graça do exagero inconsciente do ridículo que é típico do melodrama. Até esse momento, tudo é leve e engraçado. A guerra, afinal, não parece tão ruim assim – até Jim chegar ao front de batalha.

Vidor queria mostrar a guerra de forma realista, sem grandes conquistas, mas com grandes custos tanto para os “vencedores” como para os “perdedores”. No front, há uma caminhada quase que infindável, em que os soldados americanos precisam lidar com atiradores, metralhadoras, canhões… Alguns vão caindo mortos pelo caminho, sem mais nem menos, mas a linha de frente não pode parar. O absurdo da situação é chocante e torcemos para que Jim e seus amigos sobrevivam de alguma forma.

O horror que as cenas de guerra causam no espectador se dá por conta da leveza com que tudo ia sendo encarado até então. Afinal, ninguém sabia o que ia encontrar quando, num arroubo qualquer, resolveu se juntar ao exército. Hoje em dia, depois de tantos filmes, de tantas guerras (e de tantas guerras televisionadas), já temos uma noção, ainda que mínima, de quão aterrorizante pode ser. Naquela época, contudo, houve mesmo uma sensação de perda. Jim, como tantos outros, jamais seria o mesmo depois do que presenciou, especialmente depois de encarar o inimigo e ver alguém como ele mesmo.

O filme é convencional no que diz respeito ao posicionamento de câmera ou na forma de narrar a história (tanto Napoleon, de Abel Gance, como Wings, de Wellman são mais inovadores nesse sentido), mas foi o primeiro a mostrar a guerra de tal forma, causando um choque bastante interessante pela mistura de comédia e drama (sem confundir com melodrama) e com uma atuação excelente do jovem John Gilbert.