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Lady Snowblood, 1973

9 jul

Lady Snowblood, de 1973, é uma das influências principais de Kill Bill. Só não é a principal porque, embora Tarantino nunca tenha admitido, La mariée était en noir, filme dirigido por Truffaut em 1968, tem mais a ver ainda. Lady Snowblood, porém, não só serviu de base para a personagem de O-Ren Ishii, interpretada por Lucy Liu, como também inspirou a estrutura em capítulos, a mistura com mangá/anime, uma das músicas principais da trilha sonora (cantada por Meiko Kaji, a própria Lady Snowblood) e vários posicionamentos de câmera.

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Baseado no mangá de Kazuo Koike, criador também de Lone Wolf and Cub, a adaptação cinematográfica é muito menos pornô (e, portanto, muito mais séria) do que a fonte. Diferente de filmes como Sex and Fury, em que a protagonista chega a lutar pelada contra os oponentes, Meiko Kaji nunca é apresentada de forma sexual. Afinal, Yuki (em japonês, “neve”) é uma criatura do reino dos mortos, nascida na prisão apenas para completar a vingança que sua mãe iniciou contra aqueles que mataram seu marido e seu filho.

Em Lady Snowblood, é a filha quem vinga a mãe, mas a filha de um de seus inimigos também vai procurar a própria vingança. Em Kill Bill, é a mãe quem vinga a filha, mas a filha de Vernita Green (Vivica A. Fox) deve querer se vingar de Beatrix Kiddo no futuro. Mesmo que  a sequência de Kill Bill nunca seja feita, Tarantino sempre compõe seus personagens imaginando uma história completa – com começo, meio e fim – e o filme japonês pode ter oferecido alguma inspiração nesse sentido também.

Dirigido por Toshiya Fujita, Lady Snowblood tem também os jatos exagerados de sangue que tornam as mortes mais gráficas e espetaculares. Em muitos filmes de samurai dos anos 60, depois de enfrentar dúzias de outros espadachins, nem mesmo a lâmina da espada ficava suja. Talvez a década de 70 tenha tentado compensar a ausência de sangue em todos esses filmes cheios de morte, mas desprovidos de entranhas. Os jatos de sangue são sim caricatos, mas servem para intensificar a ideia de que a violência não é algo simples ou limpo como muitos sugeriam até então. A câmera na mão (ainda que mais ou menos estável) também dá um frescor novo ao gênero que, nas décadas anteriores, era tão dominado por planos fixos e imóveis.

Meiko Kaji, além de cantora excelente, consegue mostrar diferentes tipos de expressão com gestos muito sutis, sem nunca perder a característica principal de uma personagem tomada pelo ódio e pela obstinação. Lady Snowblood é obrigatório aos fãs de Tarantino, mas também àqueles que gostam do gênero de luta de espada ou que simplesmente gostam de filmes esteticamente bonitos com uma carga dramática maior. Perto do fim, uma das últimas cenas é encerrada com uma cortina que desce sobre o cenário. Tudo que vimos era então como uma ópera, um espetáculo cuja intensidade não é semelhante à vida real, mas que consegue provocar emoções concretas.